Para driblar imprevistos, varejo tem de manter a essência, diz presidente do IDV

Para driblar imprevistos, varejo tem de manter a essência, diz presidente do IDV

Segundo Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), antes de recorrer à IA e aparatos tecnológicos, lojista tem de fazer o básico, que é conhecer bem o cliente e ter produto e preço certos

O varejo brasileiro passa por uma sobrecarga de informações e imprevistos. Pandemia, avanço do e-commerce, competição com sites chineses e, agora que os indicadores econômicos começam a melhorar, explodem as bets, as plataformas de apostas on-line.

É um desafio enorme para os lojistas ter de navegar com tantas incertezas. Não adianta achar que a Inteligência Artificial (IA) pode ser a solução para um negócio. O varejo tem de manter a sua essência, ter um alicerce bem estruturado, conhecer muito bem o cliente, ter produto e preço corretos e também estar ligado às tendências, às inovações.

A análise é de Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) e consultor de negócios da Telhanorte, rede de material de construção, com 69 lojas.

Os indicadores econômicos, diz, estão de fato melhores. A inflação abaixo do teto da meta e o PIB (Produto Interno Bruto) crescendo mais do que o previsto, por exemplo.

Só que os efeitos de todo esse cenário econômico não estão sendo sentidos por alguns setores do varejo por uma combinação de fatores, como os citados na abertura deste texto.

“Os setores que dependem mais de financiamento estão sofrendo mais, como material de construção, linha branca”, afirma o presidente do IDV.

Pesquisas qualitativas também sugerem, diz, que as bets estão tirando dinheiro que iria para comprar roupas, pagar matrícula escolar, algo perto de R$ 100 bilhões previstos para 2025. “O setor financeiro também já reclama de inadimplência no cartão de crédito, que tem sido usado para pagar apostas online”, diz.

Apesar de todo o cenário que envolve o mundo do varejo, as perspectivas para o setor, de acordo com Gonçalves Filho, são positivas, na comparação com o ano passado. “Com as eleições, há mais dinheiro no mercado e o governo também tem feito um esforço para colocar mais recursos na economia”, afirma.

NÚMEROS

Agosto já foi melhor do que igual mês de 2023. As vendas nominais de 69 associados ao IDV, com faturamento anual de R$ 700 bilhões, subiram, em média, 5,2% e as reais, 0,9%, de acordo com o IAV-IDV (Índice Antecedente de Vendas) do IDV.

A previsão para os próximos meses é de crescimento real de vendas de 1,7% em setembro, 2,9% em outubro e 2,4% em novembro, sempre em relação a igual período do ano passado.

Criado em outubro de 2007, o IAV-IDV é um índice que consolida a evolução das vendas realizadas pelos associados do instituto, que também indicam suas expectativas.

O setor que se destacou em agosto foi o de artigos de uso pessoal e doméstico, com crescimento nominal de vendas de 18,9% em relação ao mesmo mês de 2023.

As previsões do IAV-IDV são ainda melhores para os próximos meses, com expansão de 19,2% em setembro, 19,9% em outubro e 22,4% em novembro.

Em segundo lugar vem o setor de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, perfumaria e cosméticos, com alta de 14% nas vendas em agosto em relação ao mesmo mês de 2023. As projeções são de crescimento de 16,2% em setembro, 17,8% em outubro e 10,2% em novembro.

As vendas no setor de material de construção cresceram 6% em agosto em relação ao mesmo mês de 2023. Para os próximos três meses, as perspectivas são de alta de 6,7% em setembro, 8,9% em outubro e 8,3% em novembro.

O setor de tecidos, vestuário e calçados já aparece com crescimento de vendas de 9,6% em agosto em relação a igual mês de 2023, com projeções de crescimento de 7,7% em setembro, 10% em outubro e 3,3% em novembro.

No setor de supermercados, hipermercados, alimentação, bebidas e fumo a alta de vendas ficou em 4,7% em agosto ante igual mês do ano passado. Aqui, as previsões do IDV são de expansão de 6,8% em setembro, 8,6% em outubro e 10% em novembro.

O setor de móveis e eletrodomésticos foi o único que registrou queda de vendas em agosto, de 3,9% em relação ao mesmo mês de 2023.

Para os próximos três meses, porém, as previsões dos associados do IDV são positivas: alta de 4,1% em setembro, 6,6% em outubro e 3,9% em novembro.

A seguir, confira os principais trechos da entrevista com Jorge Gonçalves Filho:

REFORMA TRIBUTÁRIA

"A reforma tributária é necessária porque tende a simplificar o sistema, se não surgirem exceções. Se surgirem, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) vai ficar mais alto, pois, cada exceção vai ser compensada na ponta. O IVA que era de 22%, 24% já está em 26,5% e parece que vai subir.

O lado bom é que o IVA é visível, a população vai poder cobrar mais porque sabe o quanto está pagando de imposto, o que pode até ser bom para o país. Mas quando todos pagam impostos, o volume pode cair porque há uma distribuição da base tributária. Agora, tem que parar com alterações na implantação do novo sistema.

Se for bem implantado, o governo recebe o que tem direito e o varejo vai poder ter o crédito que vem da indústria na última fase da jornada, e compensar quando vender.

O cashback que se quer implantar não tem problema para o varejo. Vai ser um sistema no qual o governo vai apurar quem tem direito, e o cliente vai receber por meio de um cartão."

MÃO DE OBRA

"A falta de mão de obra é típica de um momento de crescimento econômico. O que sei é que 21 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família não têm interesse em trabalhar justamente porque recebem o auxílio. Essa questão do auxílio, portanto, precisa ser revista, tem de ter um caminho de saída.

A pessoa entra para receber o auxílio por necessidade, e depois tem de sair. Se não tiver um caminho de saída, o governo vai acabar dando auxílio até para aposentado."

CONCENTRAÇÃO NO VAREJO

"A concentração é importante na medida em que une duas empresas para criar uma mais forte. Com a união, a empresa ganha produtividade, maior poder de barganha junto aos fornecedores. É um processo natural com tendência de consolidação já vista em alguns setores, como o do varejo alimentar e o de pets.

Nem é uma questão de tendência, é de oportunidade. Os fundos de investimento estão a todo momento olhando como as empresas estão trabalhando, as concorrentes, e também estudando o que acontece quando elas se juntam."

MATERIAL DE CONSTRUÇÃO

"A indústria da construção e o setor de material de construção são atividades diferentes. O setor de construção civil está estourando com lançamentos de prédios em todos os lugares.

As construtoras compram diretamente das indústrias todo o material, metais, tubulações.  O varejo de material de construção já compra para revender e depende do consumidor.

Pode ser que quando os prédios estiverem prontos, os consumidores resolvam trocar piso, etc, e tenha algum reflexo nas lojas de materiais de construção.

As perspectivas para os próximos meses para as lojas de material de construção são melhores. Para este mês, a expectativa é de alta de 6,7% nas vendas sobre igual mês do ano passado."

FOTO: César Bruneli/ACSP

Fonte: Diário do Comércio


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